Perdão: A chave da prisão

O nosso relacionamento com Deus é baseado no perdão. Ninguém entrará no céu por suas obras, mas porque foi perdoado. Na oração do Pai-Nosso, Jesus nos ensina que assim como o alimento é essencial para o corpo, o perdão é para o espírito: “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12). Isso não é apenas um pedido, mas um contrato, necessitamos perdoar o próximo para sermos perdoados por Deus. Jesus advertiu os religiosos da sua época por coarem um mosquito e engolirem um camelo, denunciando que estavam negligenciando os preceitos mais importantes: a justiça, a misericórdia e a fé (Mt 23.23-24). Misericórdia (eleos) é uma manifestação prática do amor, uma combinação de perdão no coração e bondade na ação. A admirável parábola do Credor Incompassivo nos dá um excelente exemplo de misericórdia:

Então Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te digo que até sete; mas, até setenta vezes sete. Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos; E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos; E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então o Senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que lhe devia. Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas. (Mt 18.21-35 - ACF)

A conclusão da parábola demonstra que o rei representa o Pai Celestial. Um denário correspondia ao salário de um dia de trabalho. O dicionário VINE informa que um talento correspondia a seis mil denários. Isso nos ajuda a ter uma noção da imensidão da primeira dívida, tornando a outra insignificante. São sessenta milhões de dias de trabalho contra cem dias. Atualmente, considerando um trabalhador com salário mensal de três mil reais, seria como comparar seis bilhões com dez mil reais (0,00017%). O servo pediu tempo para pagar o que era impagável e ganhou perdão do seu nobre rei. Mas quando um semelhante lhe pediu um prazo para pagar uma dívida pequena, ele foi severo em extremo. A ira do rei foi maior pela falta de perdão do que na grande dívida. O destino do servo malvado é uma prisão perpétua com atormentadores. A triste observação é que o conservo também continua preso.

O perdão é a base do nosso relacionamento com Deus. Uma das verdades mais fundamentais das Escrituras é que somos todos pecadores. O orgulho move a natureza humana. Após a queda, Deus examinou o homem e concluiu que “toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal” (Gn 6.5). Davi, inspirado pelo Espírito Santo, escreveu: “Sei que sou pecador desde que nasci; sim, desde que me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Na mesma perspectiva, Isaías profetizou: “Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo” (Is 64.6). Na parábola do perdão, Jesus nos dá uma estimativa do tamanho da nossa dívida para com Deus: dez mil talentos ou seis bilhões de reais. A mensagem é que não há como pagarmos o que é impagável, precisamos da misericórdia do Rei. A salvação não é pelo que fazemos, não é pelas obras, para que ninguém se orgulhe perante Deus (Ef 2.8,9; Rm 4.1-8). O perdão vence o orgulho.

Quando Deus criou o homem, deu a ele domínio sobre toda terra (Gn 1.26). Por darem ouvido à voz de Satanás e não ao mandamento de Deus, essa autoridade foi concedida ao Diabo (Lc 4.6). Nesse estado de rebeldia, a humanidade se torna inimiga de Deus, estando debaixo de sua ira. A morte de Jesus Cristo na cruz resolve essa questão legal, compartilhando a autoridade conquistada com todos que creem no Evangelho. O envio dos discípulos para transmitirem essa mensagem está envolvido com pregação, ensino e milagres, entretanto, a entrada a esse Reino é concedida mediante o perdão: “Se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados; se não os perdoarem, não estarão perdoados” (Jo 20.23). O perdão é o objeto da salvação de Deus. A obra reconciliadora de Jesus Cristo usa o perdão, transformando nossa relação de inimigos para amigos, de ira para paz, de morte para vida:

Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores. Como agora fomos justificados por seu sangue, muito mais ainda, por meio dele, seremos salvos da ira de Deus! Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida! (Rm 5.8-10)

A falta de perdão é uma prisão. A atitude de perdão e bondade do rei com o servo expressa misericórdia: “tive misericórdia de ti” (v. 33). Como já mencionado, foi citado por Jesus como um dos preceitos mais importantes da lei de Deus. Em outra ocasião, Jesus cita o profeta Oseias: “Quero que demonstrem misericórdia, e não que ofereçam sacrifícios”, demonstrando que a prática de perdão e bondade é mais importante que o culto (Mt 12.7). O termo grego perdoar (aphiémi) significa enviar para frente, mandar embora, despachar. Esse significado faz muito sentido porque transmite a ideia de libertar da prisão. Desde os tempos antigos até hoje, a prisão é o lugar mais frequente onde se castiga um culpado. Jesus utiliza a ilustração de prisão como consequência de falta de perdão, tanto na parábola do Credor Incompassivo, como também no Sermão do Monte, quando ensinava que a raiva é um homicídio no coração (Mt 5.21-26). Espiritualmente, quando julgamos alguém culpado e o lançamos na prisão, também estamos indo para uma cela. O perdão é a chave da prisão.

Um dos efeitos do pecado é prender a pessoa, devido à culpa diante do Juiz da Terra e dos Céus. Caim invejou e teve raiva do seu irmão Abel, quando o próprio Deus o aconselha, diz: “saiba que o pecado o ameaça à porta” (Gn 4.7). Ora, se existe uma porta espiritual, também existe um lugar. Aquela mágoa estava prestes a prender os irmãos, mas Caim foi “um fugitivo errante pelo mundo” (Gn 4.12). Caim não teria matado seu irmão se o perdoasse. José ficou anos na prisão, tempo suficiente para perdoar seus irmãos, seu chefe e talvez Deus. Quando perdoou, amadurecendo ao ponto de compreender que havia um propósito por trás do seu sofrimento, disse aos seus irmãos: “Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós” (Gn 45.5 - ARA).

Davi também ficou sete dias prostrado em terra pelo seu filho que estava doente, quando se sentiu perdoado da culpa, levantou, adorou e comeu (2Sm 12). Elias se isolou em uma caverna, demonstrando culpa quando disse: “não sou melhor do que os meus antepassados” (1Rs 19.4), depois também demonstrou mágoa dos israelitas, dizendo: “Os israelitas rejeitaram a tua aliança, quebraram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada” (1Rs 19.10). A combinação do sentimento de culpa, mágoa, medo, frustração e estresse resultou em uma depressão, pelo que desejou morrer. O processo de cura de Elias, realizado pelo próprio Deus, teve inevitavelmente de passar pelo perdão. É importante mencionar que Deus forçou Elias a desabafar por três vezes, confirmando que falar sobre os sentimentos ajuda no processo de perdão. No fim da fascinante história de Jó, Deus adverte seus amigos por tê-lo caluniado, ordenando que implorem pelo perdão de Jó: “E o Senhor virou o cativeiro de Jó, quando orava pelos seus amigos; e o Senhor acrescentou, em dobro, a tudo quanto Jó antes possuía” (Jó 42.10). O perdão gera restauração.

Cada pessoa é um diretor de uma prisão espiritual, onde existem várias celas com opressores alojados. Enquanto houver um único condenado ocupando uma cela, o diretor também estará aprisionado em uma espécie de cela maior, trancada por Deus. A única maneira de o diretor se libertar é esvaziando as celas, dispensando cada opressor. A chave está em suas mãos: perdoe de coração, assim Deus também o libertará da prisão da mágoa.

Em primeiro lugar, o perdão deve ser motivado pelo amor. Por que devo perdoar? Sem dúvida, em um cenário ideal, deveríamos perdoar porque amamos a Deus e a sua Palavra. O amor a Deus de coração deveria ser a motivação no íntimo para perdoarmos as pessoas que nos ofenderam, pois esse amor nos conduz a amar ao próximo. Quando Jesus ensinou que os discípulos deveriam perdoar sempre que seu irmão se arrependesse, os discípulos pediram mais fé (Lc 17.3-5). Quem tiver fé no que Deus disse estará sempre disposto a perdoar, porque acredita que aquilo que Deus pede é sempre bom.

Mas por nosso coração ser duro como pedra, preferimos agir motivados pela justiça. Sendo assim, é justo perdoar os outros de ofensas pequenas porque Deus nos perdoou de ofensas gigantescas. É justo perdoar uma dívida de dez mil reais, quando fomos perdoados de uma dívida de seis bilhões de reais. Um quarto motivo para perdoarmos a quem nos tem ofendido é o temor: “Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas” (Mt 6.15). Quem tiver resistência em perdoar deveria sentir temor ao fazer a oração do Pai-Nosso: “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12). Se Satanás, o mundo ou a consciência nos condena, temos esperança em Deus. Mas se o próprio Deus resolve nos julgar por cada ação, palavra, pensamento e intenção, o que será de nós?

É um perigo enorme sermos juízes dos outros, dando sentenças severas em nosso coração, pois assim que o opressor for lançado na prisão, um clamor chegará aos ouvidos de Deus e seremos imediatamente convocados a comparecer perante o tribunal do Onisciente. Foi assim que aconteceu com Caim: “Onde está Abel, teu irmão? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra” (Gn 4.9,10 - ACF). Somos responsáveis por nossos semelhantes. No caso de Abel, seu sangue clamou, no caso do conservo, seus companheiros clamaram. Não importa a forma, todos presos clamarão ao Juiz de toda Terra. Jesus nos deu um conselho prático, demonstrando que deveríamos evitar a todo custo enfrentar Deus em um tribunal:

Entre em acordo depressa com seu adversário que pretende levá-lo ao tribunal. Faça isso enquanto ainda estiver com ele a caminho, pois, caso contrário, ele poderá entregá-lo ao juiz, e o juiz ao guarda, e você poderá ser jogado na prisão. Eu lhe garanto que você não sairá de lá enquanto não pagar o último centavo. (Mt 5.25-26)

Se o amor, a fé, a justiça e o temor não forem suficientes para convencê-lo a perdoar, esse último motivo não pode falhar: o perdão faz bem a você! Não gostamos de perdoar devido ao orgulho, porque merecemos justiça em nossa demanda. Também porque não queremos ter uma reputação de ingênuo, mas sim de justiceiro. O orgulho é filho do diabo, é mentiroso como seu pai. O orgulho pede punição para seus ofensores, porque ele sabe que isso é uma legalidade para Deus agir com justiça a seu respeito, não com amor. Jesus mencionou “atormentadores” na parábola do perdão, demonstrando como não perdoar de coração irá causar danos na alma, mente e corpo. Quando alguém está com raiva, desconta isso em tudo e todos ao seu redor. A raiva frequente pode gerar doenças no estômago, cabeça e coração, como úlceras, enxaquecas, pressão alta ou até mesmo um infarto.

O maior benefício do perdão é para a vítima e não para o ofensor. É comum que as vítimas passem décadas com mágoas de um ofensor, desejando sua morte, mas quando isso acontece, a mágoa não desapareceu. Quantas pessoas estão em leitos de hospitais, sendo impedidas por Deus de morrerem, esperando uma reconciliação. A palavra ressentimento é formada por “re” (repetição) e “sentimento”, ou seja, repetir um sentimento novamente. Enquanto não perdoarmos de coração, entraremos em um ciclo de sempre reviver a opressão, seja na vida, na mente ou até em um sonho. Você fica magoado pela ofensa que sofreu, mas a falta de perdão fará você ficar sentindo a ofensa repetidas vezes. Alguém que foi traído e não perdoou, nos próximos relacionamentos, vai viver suspeitando, ressentindo a traição repetidas vezes. A mágoa te prende nesse ciclo vicioso. A boa notícia é que a chave da prisão está em suas mãos: perdoe!

Em segundo lugar, o perdão deve libertar todos os ofensores. Quem devo perdoar? Isso pode soar estranho, mas provavelmente a primeira pessoa que você deve perdoar é a si mesmo. É comum mulheres se sentirem responsáveis pelas agressões que sofrem dos maridos. A culpa é como prender-se a si mesmo e autoflagelar-se repetidamente. Na parábola do perdão, Jesus relata que o servo malvado estava pedindo paciência e prazo para pagar sua dívida, quando, na verdade, ele precisava de perdão. Muitos cristãos continuam tentando pagar pelos seus pecados, enquanto apenas Jesus Cristo é capaz de riscar a conta da nossa dívida (Cl 2.13-14). Mesmo que você seja legalmente culpado, ou que o mundo, Satanás ou sua própria consciência o condene, Jesus diz: “Eu não o condeno” (Jo 8.11b). Arrependimento e confissão são os remédios de Deus para a culpa, liberte-se.

A segunda pessoa que você deve perdoar também é surpreendente: Deus. Regularmente, pessoas culpam Deus pelo seu sofrimento. Usam a lógica de que se Deus conhece tudo e tem todo o poder, logo, poderia impedir as tragédias da vida. Falta uma variável nessa equação: Deus é amor, e o amor é livre. Além disso, estamos limitados a um conhecimento parcial desse mistério divino. O que posso dizer, baseado na história de Jó, é que o sofrimento é uma maneira de glorificar o nome de Deus, de nos amadurecer e de anular as mentiras de Satanás. De qualquer forma, examine o seu coração, esteja disposto a perdoar a Deus e ore a Ele confessando sinceramente seus sentimentos. Culpamos Deus por uma deficiência de nascença, ou por um câncer repentino, ou pela morte de um filho. Seja como for, saiba que há beleza nas cinzas, existe uma mensagem nessa situação difícil que não está conseguindo ver. Deus é especialista em transformar o sofrimento em manifestações do amor. Quem sabe Jesus não está ocupando uma cela na prisão do seu coração, liberte-o.

O terceiro grupo de pessoas que você deve perdoar são seus familiares. O ambiente familiar é um dos lugares que mais geram conflitos. Não são raros casos em que uns não falam com os outros, ou evitam frequentarem o mesmo lugar. Casais vivendo como meros conhecidos. Filhos magoados com pais pelas disciplinas, pressões, ausências. Irmãos sendo rivais por desavenças, conflitos de interesses ou invejas. Esposa que não fala com a sogra, ou marido que não suporta o cunhado. Famílias inteiras são adversárias perante um juiz por uma herança. O casamento é uma representação de Cristo e a Igreja (Ef 5.31,32). Jesus sempre chamava Deus de Pai e nos ensinou a fazermos o mesmo (Mt 6.9). Jesus também nos ensinou que seríamos como irmãos, sem autoritarismo (Mt 23.8). A família é um projeto de Deus para praticarmos o amor. Embora seja inevitável que não haja conflitos, possuímos modelos claros para decidirmos sempre perdoar. Liberte a sua família.

O quarto e último grupo de pessoas que você deve perdoar são seus inimigos. No capítulo 5 de Mateus, Jesus nos dá exemplos de inimigos que ainda são comuns atualmente: agressões físicas e psicológicas (v. 39), demandas jurídicas (v. 40), trabalho forçado (v. 41), prejuízos financeiros (v. 42) e calúnias (Lc 6.28). De modo prático, inimigos são pessoas que fizeram algum mal para você. É importante mencionar que muitas vezes temos a falsa impressão de que não temos inimigos. Neste caso, sugiro que reserve um momento sozinho em seu quarto e comece a listar as mais dolorosas maldades e injustiças que fizeram contra você. Depois disto, também ore para que Deus traga à sua memória pessoas que continuam nas celas da prisão do coração. Talvez tenha celas ocupadas com um pai, um irmão, uma tia, um vizinho, um chefe, um colega de infância ou o próprio Deus. Quem sabe você mesmo não foi jogado em uma solitária pela culpa. Liberte todos.

Em terceiro lugar, o perdão deve ser ilimitado. Quantas vezes devo perdoar? Infinitas vezes! No capítulo 18 de Mateus, Jesus ensina diversas orientações sobre como devemos proceder diante de ofensas. Temos a tendência de julgar uns mais importantes que outros, seja pela riqueza, poder ou conhecimento. Mas nesse capítulo, Jesus enfatiza a importância igual de todos os filhos de Deus, advertindo contra sermos a causa de um pequenino do Reino tropeçar, pois não é da vontade do Pai que nenhum deles se perca. Depois disto, Jesus faz uma orientação prática de como corrigir um irmão que peca contra nós. Primeiro, fale com a pessoa em particular, depois, com testemunhas, e, por fim, com toda a comunidade. Se após essas três tentativas, ele se recusar a ouvir, a recomendação é que seja excluído.

É nesse contexto que Pedro pergunta a Jesus quantas vezes devemos perdoar um irmão que peca contra nós, sugerindo sete vezes. Jesus responde: “Não sete vezes, mas setenta vezes sete” (v. 22). Sobre a resposta de Jesus, Spurgeon concorda com a maioria dos estudiosos: “Nosso Senhor tem a intenção de nos ensinar a perdoar sempre e sem um limite máximo de vezes”. Mesmo diante de disciplina, o perdão é imperativo. Nos casos de exclusão de um irmão da comunidade, nosso coração deve estar limpo de ódio e vingança. O amor está no fato de a disciplina servir de exemplo para que outros também não caiam, evitando assim um dano ainda maior.

Só haverá paz com Deus se houver paz com os homens. Somos inclinados a procurar justiça em tudo, e no caso do perdão, nossa natureza cruel sempre questiona se o ofensor é merecedor. Quantas ofensas acontecem em um casamento de trinta anos? Quantas vezes os pais têm de perdoar seus filhos? Qual o limite de um irmão perdoar outro irmão em um ambiente familiar? Como o introvertido pode conviver com o extrovertido, considerando que se reprovam? Os relacionamentos seriam melhores se aceitássemos cada um com sua individualidade, e isso está relacionado com o perdão constante. Os relacionamentos não serão bem-sucedidos sem perdão ilimitado. Não há limites para o perdão. Os seguidores de Cristo devem desligar a justiça e ligar o amor. A justiça acaba onde o amor começa.

Em quarto lugar, o perdão deve ser voluntário. Como devo perdoar? A primeira coisa que deve-se fazer para iniciar o processo de perdão é decidir perdoar. A maioria das pessoas tenta se justificar, afirmando que não consegue perdoar. Neste caso, é necessário ser sincero e perguntar a si mesmo: não consigo ou não quero perdoar? Considere que para Jesus o perdão é imperativo, avalie suas vantagens e também as consequências da falta de perdão. Estando decidido a perdoar, ore a Deus sobre a situação, detalhando toda a história, declarando que perdoa o seu ofensor e que precisa de ajuda para a libertação. A fala ajuda no processo de cura. Talvez apenas uma oração não resolva e você tenha que repeti-la algumas vezes, dependendo do tamanho da mágoa e da dureza do coração. Experimente jejuar enquanto ora e verá sua oração se potencializar, pois o jejum humilha a natureza humana para a submissão da vontade de Deus.

Na parábola do perdão, Jesus usou a expressão “se do coração não perdoardes”, ensinando-nos que o perdão deve partir da área mais profunda do nosso ser. É muito comum pessoas afirmarem que perdoaram, mas na primeira oportunidade acusam novamente seu ofensor, demonstrando que o perdão foi apenas de palavras e não de coração. Fique atento aos sinais de que o perdão ainda não está completo, por exemplo: a alma sentir raiva e mágoa, ter desejo de vingança ou não conseguir abraçar o ofensor. A ira do homem não produz a justiça de Deus (Tg 1.20). Não cabe ao homem vingar-se, mas a Deus, pois Ele retribuirá com um julgamento preciso (Rm 12.19). Jesus disse para fazermos o bem para quem nos odeiam e orar por quem nos maltratam (Lc 6.27,28), quando fizer isso, saberá que perdoou de coração.

Após decidir perdoar de coração e orar sinceramente a Deus até sentir-se limpo, é importante que você converse com o ofensor. Nesse diálogo, narre a história com detalhes e expresse seus sentimentos. Esteja preparado para que o ofensor seja agressivo, não admita seu erro ou não queira a reconciliação. Foi assim que o mundo agiu com Jesus, sendo um exemplo do comportamento humano. Independente da atitude do ofensor, perdoe-o. Não busque culpados nem se justifique. Pegue o fogo da raiva pela injustiça e canalize no amor, ame ardentemente.

Haveria injustiça maior que uma criança inocente ser condenada a uma morte cruel? Jesus é mais puro que uma criança e enquanto era esmagado na cruz, orou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lc 23.34b). Se essas palavras não fizerem ajoelhar seu coração, o que mais poderá te render? Esse gesto não é apenas admirável como também é extremamente instrutivo, até em seu último suspiro, Jesus estava nos ensinando como amar. Em caso de injustiça, considerar o ofensor como uma vítima alivia a tensão. Frequentemente, mágoas são geradas por julgamentos precipitados baseados na aparência, quando acreditamos que os outros têm más intenções contra nós. São muitos os casos que os ofensores não sabem o que estão fazendo, sendo vítimas da natureza pecaminosa que os domina. Se tudo se resumir a um mal-entendido ou se houver provas concretas contra o ofensor, o único remédio para a mágoa é o perdão. O amor não suspeita mal.

O perdão é muito superior à vingança. No sermão do monte, Jesus apresenta seis exemplos de como a justiça do Reino de Deus deve superar a justiça dos religiosos da época (Mt 5.20-48). O perdão está presente em todos os seis casos. Ele evita que a raiva se transforme em homicídio. Muitos casos de adultério são motivados por conflitos mal resolvidos entre casais. O divórcio é um sinal de coração endurecido, tanto por não acreditar no que Deus disse quanto por não perdoar. A prática de falar mal uns dos outros está ligada a julgamentos, e quem perdoa não difama (Tg 4.11-12). Por fim, o perdão nos leva a amar os inimigos, agindo sem vingança. As orientações de Jesus sobre a vingança desafiam nossas naturezas e sistemas morais e éticos nas sociedades:

Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Mas eu digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra. E, se alguém quiser processá-lo e tirar de você a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas. Dê a quem pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir algo emprestado (Mt 5.38-41)

A lei da retaliação visava proteger o infrator de punições severas. Os quatro exemplos dados por Jesus são figurativos e não literais, como, por exemplo, o próprio Jesus foi esbofeteado e não ofereceu a outra face (Jo 18.22,23). Os exemplos citados são injustiças comuns em nossos dias: agressões, processos jurídicos e transações financeiras. O ensino não é um incentivo à covardia ou uma proibição a defender-se. A instrução é para não enfrentar o mal, não retribuindo o mal com o mal, mas vencendo o mal com o bem. A teoria pode ser ridicularizada, mas a prática é reverenciada e é considerada tão surpreendente, que os homens atribuem alguma qualidade divina aos cristãos e reconhecem que eles são os filhos do Pai que está nos céus. Se cuidadosamente analisarmos o ensino de Jesus sobre não vingar, iremos concluir que há vantagens para o corpo, alma e, principalmente, para o espírito.

Gostaria de ilustrar os ensinos de Jesus sobre “não vingar” com uma aplicação prática, demonstrando as vantagens do perdão de coração: dois motoristas batem seus carros em um acidente de trânsito, um chamado José, que é cristão, e o outro chamado Antônio, que não tem religião. O conserto do veículo de Antônio ficou em R$ 6.000, e o conserto do José ficou em R$ 4.000. Como o culpado pelo acidente foi Antônio, José solicita o ressarcimento do seu próprio conserto, porém Antônio se recusa a pagar. O que Jesus faria?

Na primeira opção, José recorre à justiça própria, ameaçando Antônio e forçando-o a fazer um empréstimo em 12 parcelas para quitar sua dívida. Neste caso, a atitude de José em ameaçar Antônio foi motivada por uma combinação de orgulho, ódio, vingança e raiva. Antônio também terá os mesmos pecados no coração toda vez que pagar uma parcela do empréstimo. Qual a probabilidade de haver paz entre eles?

Na segunda opção, José recorre à justiça de terceiros, abrindo um processo jurídico contra Antônio. Após 24 meses, o juiz decide a favor de José. Neste caso, a atitude de José em processar Antônio também foi motivada por orgulho, ódio, vingança e raiva. Além disso, durante o processo, José experimenta ansiedade e avareza, pois o advogado deu esperanças de uma indenização. Antônio terá os mesmos pecados no coração. Qual a probabilidade de haver paz entre eles?

Na terceira opção, José recorre à justiça de Deus, oferecendo descontos e parcelamentos. Como Antônio insiste em não pagar, José envia uma mensagem a ele, dizendo: “Eu te perdoo os quatro mil, porque Deus me perdoou seis bilhões”. A atitude de José foi motivada por amor. Além disso, José irá se sentir em paz, livre, feliz e passará a orar a Deus em busca de ajuda para consertar seu carro. Certamente, Antônio ficará impressionado com essa atitude, reconhecendo que somente alguém com Deus no coração pode agir assim. José cumpriu a ordem do Senhor Jesus: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mt 5.16). Qual a probabilidade de haver paz entre eles?

Jesus vai além do “não vingar”, o amor o leva a fazer o bem para o mau. Jesus ensinou que devemos orar por aqueles que nos tenham feito mal. Em obediência a isso, José ora por Antônio e, enquanto dorme, tem um sonho onde Antônio, sua esposa e seus dois filhos estão em uma mesa com pratos vazios. Pela manhã, José pergunta para Antônio como está a sua vida e descobre que ele está passando por dificuldades financeiras e com pensamentos suicidas. José então ajuda a consertar o carro de Antônio, além de doar uma cesta básica. Após um tempo, Antônio se converte ao cristianismo, tornando-se um grande pregador do evangelho. O sofrimento era um propósito de Deus. O amor venceu.

O ensino de Jesus diz: “E, se alguém quiser processá-lo e tirar de você a túnica, deixe que leve também a capa”. Naquela época, a capa era um item mais essencial e caro que uma túnica. O que José fez, ajudando Antônio, é dar também a capa. As vantagens do perdão são muito maiores que as da vingança. José pode ter um prejuízo financeiro, mas não carrega orgulho, ódio, raiva, ansiedade e avareza, e, acima de tudo, não corre o risco de não ser perdoado por Deus. Sobre isso, Jesus ensinou: “Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mt 16.26). Não é apenas para ser indiferente quanto ao mal, mas agir com o bem. Após perdoar, alimente seu inimigo, empreste para quem te deu prejuízos, cuide do pai que te machucou. Fazendo isso, o rosto do Senhor resplandecerá sobre ti.

Portanto, o perdão é a base do nosso relacionamento com Deus. Temos uma dívida impagável, não adianta pedir prazo, precisamos mesmo é da misericórdia de Deus. Perdoe porque você ama a Deus. Perdoe porque você tem fé no que Deus disse. É justo perdoar dez mil reais, quando Deus nos perdoou de uma dívida de seis bilhões de reais. É um risco enorme não perdoar, porque a falta de perdão impede o perdão de Deus. A raiva frequente pode gerar várias doenças no corpo. Quem tiver mágoa, nunca estará contente. O ressentimento te prende em um ciclo, revivendo a ofensa repetidas vezes. O perdão faz bem a você.

Culpa é falta de perdão próprio. O Espírito Santo disse que Deus pisa sobre as nossas maldades, lançando todos os nossos pecados nas profundezas do mar (Mq 7.19), porém muitas pessoas ainda procuram o que Deus escondeu, culpando-se pelo que já foi perdoado. Perdoe a Deus pelas tragédias da sua vida, o pecado é o verdadeiro culpado. Confie que Deus fará com que seu sofrimento de hoje ajude outras pessoas amanhã. Faça uma “lista de inimigos”: pessoas que você não conversa, que evita frequentar o mesmo lugar, que te fez injustiças, ou que você reprova. Ore a Deus e examine o seu coração em busca de prisioneiros. Liberte todos. Se o ofensor repetir a ofensa, perdoe sem limites. Para cada raiva um perdão. Pare de sempre achar que os outros têm más intenções contra você. Você não pode ler corações, nem conhece toda a história. Procure sempre pensar bem do próximo. Não diga que não consegue, decida perdoar, ore e, quando sentir-se limpo, converse com seu ex-inimigo. Deus fará o que você não pode fazer.

O perdão é muito superior à vingança. Os ensinos de Jesus sobre não vingar esbofeteiam o orgulho humano. Assim como o reino, o poder e a glória pertencem a Deus, também é Dele a vingança. Não processe judicialmente ninguém, a menos que seja motivado por amor, para que outros não sejam também injustiçados. Fale bem de quem te difamou. Se alguém te pediu emprestado e insiste em não pagar, é mais vantajoso perdoar do que sofrer os danos que a cobrança acarreta: orgulho, ódio, vingança, avareza e raiva. Cuide dos ferimentos de quem te agrediu. Quando somos ofendidos, julgamos nossos opressores, sentenciando-os à prisão, porém enquanto houver um único prisioneiro nas celas do nosso coração, também estaremos presos. Hoje mesmo, pegue a chave que está em seu bolso, percorra cada cela da prisão do coração e liberte todos os ofensores. Isso abrirá uma porta a um jardim, onde você estará livre e poderá se deleitar com a paz e companhia de Deus. A chave da prisão é o perdão.