Verdade: De dentro para fora
A verdade é o princípio mais fundamental dos ensinos de Jesus Cristo. Satanás é a personificação da mentira (Jo 8.44). Jesus é a personificação da verdade (Jo 14.6). Jesus não veio para reformar a religião judaica, sua mensagem é tão revolucionária, que o próprio Jesus a qualificou como uma nova aliança (Lc 22.20). A maior diferença entre os testamentos é que, na nova aliança, o Reino de Deus está no coração humano. No antigo testamento era necessário fazer para viver, já no novo, a vida nos capacita a fazer (Lv 18.5; Jo 15.5). Como Deus é quem faz tudo, o amamos de coração, não por obrigação ou medo, mas por gratidão. A transformação verdadeira sempre será de dentro para fora, do coração para as palavras e ações.
No original grego, o adjetivo verdade (alethes) significa não-oculto, manifesto, real, verdadeiro ao fato. A maneira mais simples de transmitir a mentira é por meio das palavras. No sermão do monte, Jesus disse: “seja o seu sim, sim, e o seu não, não; o que passar disso vem do Maligno” (Mt 5.37). De modo simplista, quando a boca fala o que não é um fato do coração, aí está uma mentira, por exemplo: você diz “sim” com a boca, mas seu coração sabe que a verdade é “não”. De uma maneira um pouco mais complexa, a mentira também se manifesta nas ações, quando o “fazer” não reflete o “ser”, por exemplo: alguém dá uma esmola para um pobre, enquanto todos acham que foi uma obra de caridade, o propósito foi receber admiração das pessoas. Para Deus isso foi inútil, porque já recebeu o seu galardão, o elogio vazio das pessoas (Mt 6.2). Para ser verdade, o “fazer” deve corresponder ao “ser”.
O orgulho é mentiroso. Satanás sempre irá contar uma versão distorcida da Palavra de Deus. O orgulho tentará te convencer que a Palavra de Deus é ultrapassada. Que o melhor caminho é o mais fácil, e não o correto. O orgulho irá te dizer que você merece experimentar outra mulher. O adultério destrói duas famílias, e quando envolve filhos, o estrago ainda é maior. Sua vida eterna vendida por minutos de prazer. As drogas vendem uma felicidade barata, rápida, destrutiva e viciante. A mensagem do orgulho é que a vingança tem mais vantagens que o perdão, que a mentira é uma estratégia inteligente, que toda “boa ação” deverá ser publicada, que a admiração dos homens é melhor que a recompensa de Deus. A maior mentira do orgulho é que somos justos e merecemos tomar o céu a força.
Apesar deste princípio ser fundamental nos ensinos de Jesus, ele é de períodos distantes e está por toda parte do AT. Antes do dilúvio de Noé, ao falar da maldade da raça humana, Deus disse: “toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal” (Gn 6.5b). Ao ensinar sobre o mandamento mais importante, Jesus cita o Shema, que originalmente está no capítulo 6 de Deuteronômio, nele consta instruções para o amor a Deus de coração, alma e força. Quando o profeta Samuel tinha certeza que o novo rei de Israel seria Eliabe, o irmão mais velho de Davi, Deus disse: “Não considere a sua aparência nem sua altura, pois eu o rejeitei. O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1Sm 16.7). Por último, cito as palavras que Deus disse para Jeremias, uma dupla profecia, a restauração de um Israel exilado e a nova aliança em Jesus Cristo: “Esta é a aliança que farei... Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações” (Jr 31.33). Encontramos muitas advertências no AT quanto a realizar uma ação no exterior que não reflete o interior. Portanto, Jesus deu ênfase a um princípio já presente em toda a Escritura: a mudança deve ser primeiro dentro, depois fora.
Em primeiro lugar, verdade é o que Deus disse. Na oração sacerdotal, Jesus orou ao Pai dizendo: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). A Bíblia ensina que Deus pode todas as coisas e que nada lhe é impossível, mas também afirma que Ele não pode algumas coisas. Deus não pode mentir (Nm 23.19; Hb 6.18; Tt 1.2). A verdade está tão enraizada na essência do caráter de Deus, que quando uma Palavra sai da Sua boca, o universo move-se para criar, o caos é transformado em ordem. Deus criou todas as coisas pelo poder da Sua Palavra: “Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo surgiu” (Sl 33.9; cf. Gn 1). A Palavra de Deus, a espada do Espírito, é a arma mais poderosa que existe, se você a ouvir e crer, o Todo-Poderoso será seu aliado.
Jesus afirmou que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4). Assim como o pão é alimento para o corpo, de algum modo, a palavra é alimento para o espírito. Se você ouvir e acreditar em uma palavra irá criar energias positivas ou negativas, por exemplo: a crítica pode gerar vontade de melhorar ou desânimo e o elogio pode motivar ou despertar o orgulho. Antes de ressuscitar a filha de Jairo, Jesus mandou retirar todos os que estavam incrédulos, criando alvoroço e rindo (Mc 5.35-42). A verdade pessoal de cada um será formada pela sua personalidade, ambiente em que viveu e palavras que ouviu. Devemos nos alimentar com a Palavra de Deus diariamente, além disso, selecionar os ambientes e as companhias do nosso dia a dia.
Deus fala “muitas vezes e de várias maneiras” (Hb 1.1). A Bíblia é a Palavra de Deus escrita. Jesus é a Palavra de Deus encarnada. O Espírito Santo fala no interior com uma voz inaudível. A consciência é a voz de Deus em todas as mentes e em todas as culturas. Deus espera que, ao olharmos a criação do universo, possamos ver evidências da Sua existência (Rm 1.20; cf. Sl 19.1-4). A sequência de Fibonacci é um padrão matemático que se repete em muitos lugares no universo, por exemplo: formato da orelha, concha do mar, furacão e estrelas. A proporção áurea também está presente em muitos formatos da natureza, por exemplo: corpo humano, insetos e flores. Observemos os átomos, as moléculas, o corpo humano, os animais, a natureza, o mar, a terra, os astros, o universo. Quanta beleza, harmonia e inteligência. Deus assinou o seu projeto, a criação é um discurso sem palavras.
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (Jo 1.1 - ARA). O termo grego logos significa uma palavra que expressa o pensamento. Assim como nossas palavras revelam a outros o que se passa em nossa mente e coração, também Jesus Cristo é o “Verbo” de Deus, que nos revela sua mente e seu coração. Jesus, a Palavra de Deus em carne e osso, habitou entre nós com o propósito de nos salvar: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14 - ARA). A expressão da mente e do coração de Deus veio à terra cheio de graça e de verdade. Jesus é Deus e todas as suas palavras são do Pai (Jo 12.49; 14.10). Jesus é o logos eterno, o Verbo criador, a Palavra encarnada.
Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6). O caminho verdadeiro é apertado, leva à vida eterna e são poucos os que trilham nele. Ele é apertado porque requer renúncia do orgulho e do egoísmo, algo que nossa natureza se opõe rigidamente. Os caminhos falsos são espaçosos, levam à morte eterna e muitos os seguem. Eles são espaçosos porque ali tudo pode, é proibido proibir, combinam com a nossa natureza. A palavra verdade nunca é encontrada no plural “verdades”, indicando ser única. Podemos ouvir muitas mensagens prometendo salvação, mas as Escrituras não deixam alternativas: “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus” (1Tm 2.5). Deus só diz a verdade, e isso dói, mas liberta.
É surpreendente que a impactante expressão “em espírito e em verdade” foi falada por Jesus apenas para uma pessoa, uma mulher samaritana. Era inadequado um mestre falar com mulher em público, além disso, os judeus não se comunicavam com os samaritanos (Jo 4.9,27). Quando o reino do norte de Israel foi exilado pela Assíria, o imperador fez habitar em Samaria povos estrangeiros, causando uma mistura de raça (2Rs 17). Isso fez com que os judeus fossem rivais dos samaritanos, especialmente no local correto de adoração. João capítulo 4 relata o encontro de Jesus com a mulher samaritana, estando no poço de Jacó para retirar água, eles têm um debate sobre o lugar que se deve adorar. Jesus é convicto de seu ensino, Deus não será adorado em Jerusalém, muito menos em Samaria, mas em espírito e em verdade:
No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. (Jo 4:23,24)
Quando Deus orienta Moisés a pedir para Faraó que liberte seu povo, o motivo era para adorar (Êx 7.16). Israel peregrinou quarenta anos no deserto e tinham dois fundamentos para adoração, o Templo e a Lei. Na Nova Aliança em Jesus Cristo, o Templo é em espírito e a Lei é em verdade. Em espírito quer dizer no coração, pessoal, independente do lugar ou cerimônia. Em verdade significa de coração, sincero, sem hipocrisia e, consequentemente, obediência aos princípios atemporais de Jesus.
Deus sempre sonhou em habitar perto das pessoas que ama. Na vida do primeiro casal, descia no final da tarde para conversar (Gn 3.8). Na peregrinação do deserto, Deus pediu para construir um tabernáculo onde pudesse habitar no meio do povo (Êx 25.8). A palavra habitou no grego significa “tabernaculou”, e é lindo ver isso aplicado em Jesus, pois o verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14). Além disso, um dos seus nomes é Emanuel, que significa “Deus conosco”. Por fim, vemos nas últimas páginas da Bíblia a realização do sonho de Deus: “Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21.3). Hoje é a dispensação em que Deus está mais próximo de seu povo, em espírito, dentro de nós, compete a nós o buscarmos em verdade, em sinceridade de coração por meio de Jesus Cristo.
Portanto, Deus só fala a verdade, não podendo jamais mentir. Deus fala muitas vezes e de várias maneiras, então ninguém pode alegar desconhecimento, para justificar a sua descrença. A criação e a consciência testemunharão contra muitas pessoas no juízo final. O melhor que podemos fazer é nos alimentar diariamente com a Palavra de Deus, com disposição para obedecê-la. Jesus, sendo a própria Palavra de Deus encarnada, nos deixou ensinos de um caminho verdadeiro que nos leva à vida eterna. Os ensinos de Jesus exigem renúncia da nossa vontade, porque sua essência é orgulhosa e egoísta. A verdade sempre confrontará a natureza humana que ama as riquezas, os prazeres e as preocupações. Se ouvirmos a voz de Deus com disposição para obedecer, o Espírito Santo fará o trabalho pesado, restando para nós um desfrutar suave e leve.
Em segundo lugar, verdade é harmonia entre interior e exterior. O coração está intimamente ligado à verdade, para que uma atitude seja verdadeira tem que refletir a integridade do caráter. Reputação é a avaliação que os outros têm sobre você. Caráter é a avaliação que Deus tem de você. As pessoas não podem ler corações nem pensamentos, mas podem observar suas ações e palavras, por isso que a reputação tem relação com o exterior e o caráter com o interior. Um mestre da lei perguntou para Jesus qual o mais importante de todos os mandamentos e ouviu como resposta: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças” (Mc 12.30).
O termo grego todo (holos) significa completamente. O substantivo coração (kardia) é usado figurativamente para se referir às fontes ocultas da vida pessoal, significando nesse contexto, o centro da vontade e intenções humanas. A palavra alma (psuché), nesse contexto, denota o centro das emoções, sentimentos e desejos. Já o termo entendimento (dianoia) significa a faculdade do conhecimento, entendimento ou reflexão moral. Por fim, a expressão força (ischus) denota habilidade, força, poder ou capacidade.
Deus exige ação certa por motivo certo. De modo prático, em cada circunstância da vida, o sistema moral humano acessa em primeiro lugar o coração, para saber se nessa circunstância a disposição é fazer a coisa correta ou errada, em outras palavras, boa intenção ou má intenção, amor ou orgulho. Em segundo lugar, a alma será responsável por emitir sensações para a mente e corpo, por exemplo: medo, raiva, tristeza, prazer ou culpa. Em terceiro lugar, o entendimento dirá como proceder a partir da verdade que o indivíduo estabeleceu até este ponto, por exemplo: personalidade, a influência da cultura, da família, dos amigos ou da religião. Em quarto e último lugar, a força é a ação segundo a capacidade, por exemplo: agir, fugir, falar, olhar ou tocar.
Havia muitos grupos religiosos na época do ministério de Jesus. Os Fariseus eram um grupo que estudavam e ensinavam o AT, combinando com sua tradição oral, eram extremamente rígidos em suas doutrinas, como: guardar o sábado, dízimo e pureza ritual. Os Escribas formavam um grupo de pessoas com funções de escrita, leitura e especialistas em interpretar as Escrituras, provavelmente a maioria dos escribas eram fariseus. Os Saduceus eram os príncipes dos sacerdotes, por isso estavam envolvidos com o templo. Além disso, acreditavam apenas no Pentateuco como Escritura. Esses três movimentos exerciam forte influência na vida do povo e foram vorazes perseguidores, tanto de Jesus, quanto dos apóstolos.
Os religiosos da época foram acusados por Jesus de orgulho, avareza, mas principalmente de hipocrisia. O capítulo 23 de Mateus nos mostra várias advertências do Senhor para os escribas e fariseus. Não praticam o que ensinam (3-4). Tudo o que fazem é para serem vistos (5-7). Em suas doutrinas, consideravam o ouro, a oferta e o dízimo mais importantes que o santuário, o altar, a justiça, a misericórdia e a fé (16-24). Por fora parecem boas pessoas, mas por dentro, cheios de pecados:
Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo. Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade. (Mt 23.25-28)
A palavra hipócrita no português translitera o original grego “hupokrités”. Essa palavra era utilizada para descrever o ator de palco, especialmente no uso de máscaras em sua atuação. Portanto, seu significado remete a falso, mentiroso, fingidor, dissimulador, ator, duas caras, diz uma coisa, mas faz outra. Para Jesus, apenas ter uma aparência externa boa, é tão absurdo como lavar um copo apenas por fora. Para melhor compreender a figura “sepulcros caiados”, temos que considerar que as pessoas que tocassem em mortos, ossos ou sepulcros, estariam imundas (Nm 19). A palavra “caiados” vem de “cal”, portanto, Jesus utiliza a imagem de um sepulcro embelezado de branco por fora, mas por dentro, está cheio de podridão.
Um dos textos mais claros quanto a visão de Jesus sobre “dentro e fora” está no capítulo 7 de Marcos, onde os seus discípulos foram repreendidos pelos religiosos por comerem sem lavar as mãos. Os escribas e fariseus tinham como ritual de purificação lavar mãos, copos, vasilhas, camas, dentre outras cerimônias. A questão aqui não é a higiene, mas considerar que essa “lavagem exterior” pode afetar a santidade de uma pessoa. Jesus acusa os religiosos de honrar a Deus com os lábios, mas estando o seu coração longe (Mc 7.6). Além disso, eles anulavam a Palavra de Deus por suas tradições, por exemplo: a tradição Corbã, que sutilmente diminuía a responsabilidade para com os pais (Mc 7.9-13). Jesus ensina que não são alimentos que uma pessoa come que a fará santa ou impura, pelo contrário, do interior do coração que procedem pecados que a contaminam:
Será que vocês também não conseguem entender? perguntou-lhes Jesus. Não percebem que nada que entre no homem pode torná-lo impuro? Porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, sendo depois eliminado. Ao dizer isto, Jesus declarou puros todos os alimentos. E continuou: O que sai do homem é que o torna impuro. Pois do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem impuro. (Mc 7.18-23)
Portanto, nosso exterior, como um espelho, deve refletir o interior. Nossas ações e palavras devem ser uma reprodução do nosso caráter. Não devemos ser uma pessoa na claridade e outra na escuridão, santo enquanto estamos sendo vistos e profano enquanto estamos sozinhos. Amorosos na Igreja e coléricos em casa. O nosso grande problema é que somos mentirosos por natureza: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto” (Jr 17.9 - ARA). A única cura para um coração enganoso e corrupto é ser habitado pelo Espírito da verdade que nos guiará a toda verdade (Jo 16.13).
Em terceiro lugar, verdade é o princípio mais fundamental. Todos os princípios de Jesus dependem da verdade. Se a humildade não for de coração, será um orgulho mascarado. O falso arrependimento é apenas um remorso. A fé começa com ouvir a Palavra de Deus e termina com uma semente no coração. Você pode orar por várias horas seguidas, mas será inútil se essas palavras não forem sinceras. O mesmo se aplica ao perdão e a todos os outros princípios, uma pessoa pode dizer que perdoou, mas se o coração continua magoado ou com desejo de vingança, é sinal de que não foi verdadeiro. A verdade deve ser a base do nosso relacionamento com Deus, do relacionamento próprio e com terceiros.
A essência do sermão do monte é Jesus confrontando os ensinos dos escribas e fariseus, demonstrando uma justiça maior, do coração, em detrimento a um legalismo externo e hipócrita. Em uma afirmação chave do sermão, Jesus diz: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20 - ARA). Para demonstrar a justiça que começa no coração, Jesus dá seis exemplos de ordenanças tradicionais: assassinato, adultério, divórcio, juramento, vingança e amor. Falando sobre assassinato, a primeira das seis comparações, Jesus disse:
Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: Não matarás, e quem matar estará sujeito a julgamento. Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: “Racá”, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: “Louco!”, corre o risco de ir para o fogo do inferno. (Mt 5.21,22)
Não matarás é o sexto dos dez mandamentos (Êx 20.13), além disso, após a queda de Adão, o homicídio é o primeiro pecado relatado pela Bíblia. Caim matou Abel, mas antes de mata-lo no campo, lemos: “irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante” (Gn 4.5b). Jesus, em sua sabedoria suprema, nos ensina a cortar o mal pela raiz. Normalmente, o caminho do assassinato começa com uma circunstância que causa sentimento de injustiça no coração, depois raiva, ódio, vingança, até que temos vontade de matar. Poucas pessoas irão chegar a cometer um crime de homicídio, mas não podemos dizer o mesmo do sentimento de ira.
Jesus iguala a ira com matar, pois antes de matar com as mãos, temos um homicídio no coração. Foi desta forma que seus discípulos entenderam: “Quem odeia seu irmão é assassino” (1Jo 3.15). O relato em Mateus fala de julgamento, tribunal e inferno, transmitindo a mensagem de que os que estão presentes no Reino de Deus, devem passar por uma transformação no coração. A intenção é importante até para a justiça dos homens, homicídio doloso, quando há intenção de matar, tem pena muito mais severa que homicídio culposo, quando não há intenção. Para um juiz terreno é difícil descobrir se um assassino teve a intenção de matar ou não, mas para o Juiz dos céus, que sonda os corações e pensamentos, todas as coisas estão descobertas. Quando nos aprofundamos nos princípios de Jesus, vamos encontrar sua solução para o sentimento de injustiça e ira: para cada raiva, um perdão.
Das seis comparações do sermão do monte, a segunda, que fala sobre adultério, é a mais explicita quanto ao pecado no coração: “Vocês ouviram o que foi dito: Não adulterarás. Mas eu lhes digo: qualquer que olhar para uma mulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração” (Mt 5.27,28). Não adulterarás é o sétimo dos dez mandamentos (Êx 20.14) e apesar de no mundo moderno a imoralidade sexual ser uma atitude comum, Jesus deixa claro a importância do assunto no Reino de Deus. O adultério nasce no coração, é ali que deve ser tratado, além disso, o ensino de Jesus fala sobre cortar laços que nos seduzem. A estratégia contra a luxúria não é resistir, mas fugir.
A terceira comparação é sobre divórcio: “Foi dito: Aquele que se divorciar de sua mulher deverá dar-lhe certidão de divórcio. Mas eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, faz que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério” (Mt 5.31,32). Em outro contexto, quando Jesus foi questionado sobre divórcio, Ele afirma que a sua causa é a “dureza do coração” (Mt 19.8). Um coração duro é orgulhoso, egoísta, não se submete à vontade de Deus, não crê, não ama, não perdoa. Quem ama a Deus, tem como propósito descobrir e fazer a Tua vontade. Deus odeia o divórcio (Ml 2.16). Portanto, a raiz do divórcio é dureza de coração e deve ser tratado de dentro para fora.
Na quarta comparação, ensinando sobre juramento, Jesus disse: “Seja o seu sim, sim, e o seu não, não; o que passar disso vem do Maligno” (Mt 5.37). Os religiosos da época tinham criado doutrinas específicas para juramentos, sendo que a verdade dependia pelo que foi jurado: céu, terra, cabeça, santuário, ouro, oferta, altar, etc. O juramento é um indicador que mentimos, por isso Jesus defende que não devemos jurar, mas sermos honestos e verdadeiros em todas as nossas palavras. Quem sempre diz a verdade não precisa jurar.
Em outro contexto, Jesus disse “a boca fala do que está cheio o coração” (Mt 12.34). Tudo o que falamos, antes, é concebido no coração, mesmo aquelas palavras que falamos sem pensar, ou refletem o nosso caráter, ou estamos mentindo. A Palavra de Deus contém muitas advertências sobre domínio próprio ao falar, talvez porque a verdade é o princípio mais fundamental no Reino de Deus e a boca é a principal fonte de mentiras. A advertência de Jesus quanto a fala pode causar espanto: “Mas eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado” (Mt 12.36). A transformação cristã, para ser verdadeira, tem que mudar o caráter, desta forma, o modo de falar também mudará. Sempre diga a verdade, assim nunca precisará jurar, o diabo é o pai da mentira.
Prosseguindo para a quinta comparação, Jesus fala sobre a lei da retaliação:
Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra. E se alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas. Dê a quem lhe pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir-lhe algo emprestado (Mt 5.38-42)
Originalmente, a regra “olho por olho e dente por dente” não tinha como propósito incentivar a vingança, mas evitar uma punição maior que a infração (Lv 24.20). Não devemos interpretar os exemplos de Jesus como literais, como vimos no capítulo anterior, Jesus ensinava por muitas figuras de linguagem. Quando Jesus estava sendo interrogado, um dos guardas bateu em seu rosto e Ele não ofereceu a outra face, mas se defendeu (Jo 18.22-23). Da mesma forma, não devemos emprestar dinheiro para que alguém compre drogas. A mensagem fala de não se vingar, nem guardar rancor, nem pagar mal por mal. Assim como acontece no homicídio, a vingança e sede por justiça brotam no coração. Além disso, a evidente solução de Jesus para a vingança, é o perdão sincero, pois nos seus ensinos falou das terríveis consequências de não perdoar de coração (Mt 18.34-35). Jesus está declarando aos seus seguidores que no Reino de Deus vigora o amor. O perdão é a maior expressão do amor.
Na última comparação da sua doutrina com a dos fariseus, Jesus finalmente declara sua lei do amor:
Vocês ouviram o que foi dito: Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. (Mt 5.43-45)
A ordenança de amar ao próximo está em Levíticos 19.18, entretanto a expressão “odeie o seu inimigo” não existe no AT. Provavelmente os fariseus interpretaram “próximo” como sendo apenas pessoas que nos fazem bem, inclusive, a famosa parábola do bom samaritano foi uma resposta à pergunta “quem é o meu próximo?” (Lc 10.29-37). Novamente o perdão está implícito na mensagem de Jesus, não é possível alguém amar e orar por um inimigo, se primeiro não o perdoar de coração. Como vimos, o amor deve ser de todo coração, alma, entendimento e força. O apóstolo Paulo disse que é possível uma pessoa dar todos seus bens aos pobres e não ser uma atitude de amor (1Co 13.3), sendo um amor falsificado movido pelo orgulho. Evidentemente, o amor tem que ser uma atitude do coração, senão será hipocrisia. Antes de qualquer ação, primeiro vem a intenção, podendo ser motivada por diversas virtudes ou vícios, por exemplo: amor ou orgulho, fé ou ansiedade.
Portanto, verdade é o fundamento para toda mensagem de Jesus Cristo. Não apenas nessas seis comparações que analisamos anteriormente, mas em todo ensino de Jesus a verdade está implícita. Devemos fazer a coisa certa por motivo certo. O cristão deve criar o hábito de sempre examinar o coração e procurar a verdade em cada palavra ou ação. Nosso coração pode ser governado por Deus, pela nossa natureza ou por demônios. Jesus disse que não podemos servir a dois senhores. Se o Espírito Santo não governar nosso coração, estaremos vulneráveis a outros senhores severos, como as riquezas, os prazeres ou as preocupações. Seu coração foi criado com um espaço do tamanho de Deus, permita que Ele complete você.
Jesus é a verdade encarnada. Seus ensinos é a verdade. Todo pecado procede do coração humano, por exemplo: assassinatos, roubos e adultérios. De igual modo, o Reino de Deus começa quando ouvimos a palavra da verdade. Como uma semente de mostarda lançada no coração, ela cresce até se tornar uma grande árvore. A fé em Jesus Cristo criará uma fonte de águas (Jo 4.14). O amor derramado pelo Espírito Santo fará fluir um rio no interior (Jo 7.38-39). As fontes buscam os rios, e esses buscam os mares. A oração ao Pai é como oceanos inexploráveis. De uma forma pequena e despretensiosa, começando pelo coração, pouco a pouco o Reino de Deus influenciará a vontade, as emoções e os pensamentos, até que as palavras e as ações também sejam afetadas. O som invisível alcança o profundo do coração e, desapercebidamente, transforma o ser de dentro para fora.
O mundo moderno está em busca das suas próprias “verdades”, o resultado tem sido pessoas vivendo uma vida de mentira e aparência. A rede social é uma rede do orgulho. As fotos ostentam os lugares luxuosos, escondendo a amargura do coração vazio. Um casal faz um post alegre em um restaurante, mas dormem em cama separada. Maquiagens e aplicativos escondem o verdadeiro rosto. As academias estão cheias de corpos “perfeitos” se admirando nos espelhos. Nessa competição da beleza, outros correm para o atalho do procedimento estético. Um policial é respeitoso quando está sob a vigilância de câmeras, mas sem elas, abusa da sua autoridade. O importante não é o que somos quando estamos sendo vistos, mas o caráter que apenas Deus conhece. Ao conhecer a verdade, começará um processo de libertação, de dentro para fora.